sábado, junho 25, 2005

Barco


Entrei em contacto com a obra de Baltazar Lopes em 2001. O objectivo era fazer uma adaptação em teatro, para o grupo Burbur, do seu romance “Chiquinho”. Li por essa altura alguns contos de Baltazar Lopes para me ajudar a situar a acção nas ilhas cabo-verdianas e houve um que me ficou para sempre na memória. Era a história de um velhote que no fim da vida, construíra um barco para viajar entre as ilhas, mas que depois de estar pronto, descobria que não tinha maneira de o tirar do jardim onde o construíra. Um barco encalhado nas traseiras de uma casa, sem nunca conhecer o mar, sem fazer aquilo para o qual tinha sido destinado.

Por alturas em que trabalhava nessa adaptação, mudei para uma casa um pouco maior. A casa tinha um jardim e estava colada a outra onde ainda vive o Sr. Serafim. Oitenta e cinco anos de marceneiro, fotografo, inventor, marinheiro, agricultor. Quando de bom humor, as recordações, piedosas, voltam à sua cabeça como uma longinqua lembrança, então fala sobre como adora velejar e de ter sido um dos primeiros fotógrafos a fazer casamentos no Porto. Foi também das primeiras pessoas a vender móveis a prestações, móveis que ele mesmo fazia. Um dia falou-me do catamaran que tinha construído. O barco, que se desmontava até caber no carro, já tinha navegado por alguns rios da Europa e, o seu maior feito, percorrido o rio douro desde a fronteira de Espanha até à foz; viagem que o Sr. Serafim ainda quer voltar a fazer.

A semana passada notei um mastro a sair da vegetação no fundo do jardim. Perguntei ao Sr. Serafim que logo me levou a ver o catamaran montado. Para passar o tempo tinha juntado as peças do velho barco. Falou das aventuras partilhadas e a meu pedido, montamos a vela vermelha e branca. Apesar daquele catamaran ser desmontável, a minha imaginação levou-me a Cabo-verde, onde o velhote por fim consegue trazer o mar até ao jardim.

1 comentário:

Nuno Vieira disse...

obrigado Nelo...