quarta-feira, setembro 14, 2005

Restos (IV)

Dr.º Albino não era um homem vulgar. Não despertava com o canto dos galos, nem se deitava quando a noite se ergue. Os seus horários eram de todo estranhos para a gente da aldeia; ora se deitava de madrugada, ora se erguia com a noite, ora ouvia música aos gritos em pleno breu, ora silêncio durante dias. Por estes motivos, mas principalmente devido ao seu feitio irascível, Dr.º Albino conseguia afastar dele todas as curiosidades que despertam um homem só, numa aldeia triste e sem grandes novas para mexericos. Mesmo assim, comentava-se na tasca à boca larga, por entre um copo de vinho e uma partida de sueca, que Dr.º Albino era viúvo e amava demais a falecida, daí o seu isolamento e retiro, daí as suas atitudes incompreensíveis e até brutais; toda a gente se recorda como se fosse hoje, o dia em que correu o carteiro do consultório, o João Silva, filho da Amelinha, com gritos de espírito em purgatório, recusando uma falsa baixa. As mulheres temerosas a deus, viam no doutor uma reencarnação do mal, e a prova diziam entre elas, eram as fracas colheitas desde que aquele homem tinha chegado à aldeia, a falta de chuva e os incêndios e só empurradas punham o pé no consultório. As moças porém, encontravam algo de atraente no jovem doutor e até tentavam, de tempos a tempos, uma aproximação que sempre passava despercebida ao doutor. Outra corrente era a que dizia tratar-se de um caso de medicina mal exercida, com o nome riscado na cidade, tinha fugido para o interior e daí recomeçar a vida; esta era a que menos adeptos recolhia mas mesmo assim com algum peso na comunidade, bastava observar o respeito reverencial dos vizinhos quando se cruzavam com ele na rua.

1 comentário:

Nuno Vieira disse...

Ando a cozer um fim mas não tenho tido muito tempo livre. Novidades em breve.