segunda-feira, março 02, 2009

O estado do Ensino Público Universitário

Nunca o Ensino Superior o foi menos.
Com o Processo de Bolonha, as práticas de trabalho académicas converteram-se em práticas de Liceu, sem horizontes que nos confiram mais competências do que meia licenciatura «à moda antiga». O diploma de licenciado «pós-bolonha» pouco mais conta do que o certificado de conclusão do 12.º ano. A nova divisão em ciclos reduz as nossas possibilidades e qualidade de formação. Seremos lançados para o mercado de trabalho como mão-de-obra desqualificada, ou prosseguiremos os estudos sem qualquer apoio, confrontados com propinas de milhares de euros, num processo que, pelo crescente valor das propinas, agrava a elitização do ensino. O RJIES afasta os estudantes dos órgãos de decisão das instituições e introduz «entidades de reconhecido mérito exteriores às universidades»: abre-se a porta da gestão das Faculdades às empresas, permitindo contaminar o mundo académico com o seu interesse, que é, todos sabemos, a obtenção de lucro. Na Assembleia Estatutária da UP, composta por 21 membros, apenas 3 são estudantes, e 5 são «entidades externas»...não é de estranhar, assim, que esta tenha decidido a passagem a fundação pública de direito privado, com a presença na sua gestão de «entidades externas» como Rui Moreira (Associação Comercial do Porto), Luís Portela (Presidente do grupo Bial) e José Luís Encarnação (empresa INI-GraphicsNet). A promiscuidade entre os interesses dos grandes grupos económicos e o serviço público é alarmante, e corre-se o risco de, em breve, as Universidades serem «hipermercados de mão-de-obra», e não um espaço de aquisição de conhecimentos. Em Aveiro, na Assembleia Estatutáriatêm assento! representantes da Unicer, da Siemens e do grupo Martifer. Em Coimbra, o presidente do Conselho Geral é Artur Santos Silva, Presidente do Conselho de Administração do BPI. Está em causa a função social do Ensino Superior Público. O Orçamento de Estado para 2009 espelha a asfixia a que o está votando o governo, empurrando-o para a mercantilização selvagem: o corte orçamental é real. Há um grave desinvestimento no Ensino Universitário e Politécnico (menos 11,6 % que em 2005), no que diz respeito às transferências para instituições de Ensino Superior Público. A Acção Social Escolar recebe menos 29,35% que em 2005. A par disto, é constituído um fundo concorrencial de quase 30 milhões de euros para que as instituições compitam entre si, favorecendo as que se tornam fundações ou criam consórcios. A estratégia de chantagem é explícita e obscena, revelando a vontade do governo de se desresponsabilizar pelo Ensino Superior. As propinas, instituídas em 1991 por Cavaco Silva, actual Presidente da República, são, nestes tempos de crise, um muro a impedir que muitos continuem a frequentar a Faculdade: não podemos aceitar que estudar seja um luxo ao alcance de quem o pode pagar – aprender é um Direito, só assim será Universal, e só assim alcançaremos uma verdadeira Democracia aprofundada. As propinas em Portugal são já das mais caras da União Europeia. A Acção Social Escolar é manifestamente insuficiente, e nem sempre atribui apoios aos que mais precisam. Para se desresponsabilizar, o Governo criou os empréstimos, que mais não são que uma forma de financiamento da banca e endividamento dos estudantes, que no fim do curso serão confrontados com o desemprego (que já atinge 50.000 licenciados). E essa grande banca já chegou ao átrio da FLUP, pela agência do Santander Totta aqui instalada, como cartão de boas vindas! É urgente lutar por um Ensino Superior empenhado na formação integral do indivíduo e no progresso do país. Não vale a pena fazermos de conta que tudo se passa «lá fora». Impõe-se agir: esclarecer, exigir medidas que devolvam ao país a Universidade que Abril sonhou.

Recebido por e-mail, escrito por Tiago Teles Santos & Pedro Almeida (Associação Estudantes da Faculdade de Letras do Porto)

4 comentários:

Anónimo disse...

nuno, onde é que fizeste o décimo segundo ano?

Nuno Vieira disse...

Olá anónimo, isso é relevante? Se for eu respondo.

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

ORA, ORA!...
O nosso "lá fora" é aí...
Rapaz...você é português?...Que sorte a sua não ter vindo (como muitos) para o Brasil!...
Há um livro que faz a crítica das universidades contemporâneas com um olhar psicanalítico que - acredito - você iria gostar: “Instintos acadêmicos” da Professora de Língua Inglesa Norte Americana de Harvard, Garber, M. (Editora da UERJ, 2003). Se um dia encontrá-lo, conte-me, por favor, o que achou!
Parabéns pelo BLOG!

Nuno Vieira disse...

Obrigado Christina, volte sempre. Por acaso estou este ano a fazer duas cadeiras de Literatura Americana, vou ver se encontro o livro.