Foi o rio que me fez voltar,
Confesso agora e nunca mais
Encolhido e lamacento.
Não o mar aberto e azul
Imaculada asa de gaivota,
Mas a tainha suja do cais.
Obrigas ao regresso,
Cidade escura e rabugenta,
Escuridão do meu sótão,
Mil curvas sem céu.
Sem ti sou carne e osso
Sem interior sem paixão.
Nasceste vou morrendo,
Mudei vais erguendo,
Amanhã não suporto,
A mão dada em lento brando.
Vou partir outra vez,
Embalado
No granito dos teus cabelos.
Confesso que vou regressar.
segunda-feira, maio 30, 2005
quarta-feira, maio 25, 2005
Nada como chegar a casa
Andamos a ver casas há séculos. Indecisos e curtos de dinheiro, visitamos montanhas de casas em confusões de betão. Apartamentos minúsculos, casas grandes, fogões de sala, andares, terraços e garagens, acessos e metros à mistura; paredes cercadas de paredes. Ontem entramos numa pequena casa, clarabóias pelo corredor, sala grande, três quartos, um jardim. Não era cara e tinha alguns problemas é certo, um dos quais era o facto de ser do outro lado do rio. Mas podia ser aquilo o que procurávamos. Descobrimos uma pequena arrecadação ao fundo de um jardim que se erguia no ar numa anarquia verde. Entramos e descobrimos com espanto, dois grandes cestos cheios de vinil. Sorri ao pensar nas músicas que por lá deveriam andar, mas isso não foi motivo impeditivo de começar a virar lentamente as capas poeirentas. Não é pois o meu espanto, quando pego na primeira capa e dou de caras com o "Rocket To Russia", fiquei entusiasmado ao ver os Ramones, calça rota e casaco de cabedal; se algum dia existiram ídolos na minha adolescência, aqueles quatro rapazes estavam na lista. Pedi um segundo ao vendedor e comecei a virar as capas com o coração em rápido crescendo: The Stooges "Fun House", David Bowie "Ziggy Stardust", Tom Waits "Rain Dogs", a colecção completa da Blue Note... Todos esses títulos me passaram à frente, enquanto o coração não parava de bater e o vendedor intrigado me perguntava se podíamos continuara a visita. Olhei-o de soslaio. Ah não..! Aquele achado era meu e nenhum vendedor apressado me podia arrastar daquele tesouro. Funkadelic “Let´s Take It To The Stage”.
"Quando quer pelos discos?"
"Quem comprar a casa leva os discos, não posso vender nada em separado"
Nesse momento compreendi que o vendedor era bom e que talvez, talvez, tivéssemos finalmente chegado a casa.
"Quando quer pelos discos?"
"Quem comprar a casa leva os discos, não posso vender nada em separado"
Nesse momento compreendi que o vendedor era bom e que talvez, talvez, tivéssemos finalmente chegado a casa.
domingo, maio 22, 2005
Redenção
As cidades são redentoras, todas elas sem excepção. Podemos falhar numa relação, errar num juízo ou perder um amigo e mesmo assim ela oferece-nos oportunidade de voltar a tentar. Estava novamente a começar confesso, reiniciar o motor para partir para outro lugar que não fosse aquele onde me encontrava agora e onde uma legião de pensamentos inoportunos atacava a minha tranquilidade. Não sei porque entrei na estação nem que imagem me atraiu, mas sentado naquele banco vendo comboios chegar e partir, consegui por momentos, repostar argumentos. Mostra-me os segredos do teu mar e sufoca-me como se do teu coração duas amarras me abraçassem. Remexo na ferida porque reconheço um certo prazer nisso. Foi-se embora e depois? Depois esta tristeza e desespero. Ultimamente só discutíamos e praguejávamos, atacavas-me com palavras pontiagudas, eu respondia com silêncio cruel. Separamo-nos quando o Amor já não passava há muito pela nossa porta. Acabei a dizer-te que era nómada, que os homens não são plantas, como se isso fizesse de mim um cigano romântico! Riste-te pois claro, que mais podias fazer? Comemos duas maças verdes protegidos pela larga sombra do castanheiro. Tanta gente cruzando-se pela estação; caras coléricas e duras, sorrisos plácido e serenos, olhos cansados, meditabundos, mas nenhum reconhecendo a minha perda, o meu desespero e tristeza. Levantei-me e sai da estação. Só sentia a vida pulsar no âmago da minha alma, quando me encontrava assim, preparado para recomeçar.
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