Caro Enrique,
Andei muito indeciso nestes últimos tempos, sobre se seria uma boa ideia escrever-te esta carta ou não, mas depois pensei que ficaria extremamente arrependido se não o fizesse. Talvez possamos trocar umas ideias sobre a vida. Quem sabe tenho uma resposta tua? Pouco mais criei do que umas frases coladas no disco duro deste computador e uns post-it com ideias, pelo menos eu julgo que são ideias, espalhados pelas paredes do escritório. A única coisa que tenho a certeza, é a de ser um bom leitor, ou melhor será dizer, um leitor regular. Mas também um dia deves ter sido assim, lutando contra o desejo de escrever e a arte de calar. Hoje em dia vivo nessa aflição, neste contrabalançar que vai da tentativa ao erro, do erro à tentativa. Um dia ganho forças e sento-me em frente à folha em branco, outros dias penso em tudo para não magicar enredos mentais, penso não pensar e deixar a vontade escoar pelo ralo para puder por fim, arte das artes, preguiçar sobre a vida. Mas por muitos trilhos que o comboio percorra, volta sempre à estação de partida e este desejo de juntar palavras tornou-se mais forte do que eu. A verdade caro Enrique, espero que não te pareça presunçoso este meu à vontade, é que sempre escrevi dentro da minha cabeça, histórias mais histórias que são pontas de novelos noutras histórias desenrolando em histórias, como o Escrevedor da Tia Júlia, esse delicioso romance de Vargas-Losa, onde as personagens de vários enredos se misturam na loucura final do fazedor das novelas radiofónicas. Paul Auster escreveu no seu “Da mão para a boca”, que esteve quase a desistir de escrever, até o dia em que assistiu a um bailado e tudo lhe apareceu claro, as palavras, as frases, o enredo, tudo lhe foi revelado no meio de saltos aéreos dos dançarinos e então, só então, as histórias que escrevia mentalmente, puderam por fim ver a luz do dia. O meu conterrâneo Cardoso Pires, dizia que por vezes passava horas a lutar com uma única frase. Estes dois autores parecem-me representar os escritores do SIM, em contraponto aos teus Bartelys. Aliás, o teu "Paris não tem fim", é um bom exemplo de escritores do SIM, e dessa luta desesperante em fazer algum sentido. Lobo Antunes, outro meu nobre conterrâneo, diz que vale sempre a pena ler os clássicos para depois os pudermos plagiar inocentemente (bonito não é?). Como se acaba um romance inacabado ou como se criam personagens credíveis é um assunto sobre o qual nunca teria coragem de te perguntar e duvido mesmo da existência de uma resposta clara, senão a que descobrimos a escrever e a voltar a rescrever. Assim despeço-me, roubando uma frase tua, “Quem sou eu para escrever? E quem são os outros para me lerem?”
Sem mais nem menos,
Nuno Vieira
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