Não pensem que é só encostar peito com peito e esperar. Isto dos arrotos da minha filha tem muito mais que se lhe diga. É umas palmadinhas nas costas, uma ligeira pressão no abdómen, um beijinho na cabeça, umas palavras de incentivo. Existem diversas técnicas explicadas por doutorados no assunto, ou seja, pais já formados no primeiro ano de vida dos seus rebentos. Alguém me dizia que tinha de balouçar um bocadinho para o ar subir, um amigo explicava que deitar o bebe um bocadinho de peito para baixo, ajuda também o excesso do ar a sair do estômago e ser expelido pela boca. Várias técnicas me foram aconselhadas nestes dois meses e meio, mas como manter o sangue frio às quatro da manhã e depois de meia hora de diversas manobras e sabendo que às oito e meia estamos a pé, isso, ninguém consegue explicar; deitamos a pequena ou aguardamos mais uns segundos porque o arroto deve estar mesmo a chegar? E se não chega? Este texto é uma tese de mestrado em arrotos, por também eu, já vou a caminho e a passos largos, para o doutoramento no arroto rápido e limpo.
sexta-feira, setembro 30, 2005
quinta-feira, setembro 29, 2005
...e mudemos de assunto.
Quando o treinador do Porto diz na conferência de imprensa antes do jogo com o Artmedia, que o Porto vai jogar à Porto, vê-se claramente que não entende o significado jogar à Porto. O F.C.Porto, e desde que a minha memória me consegue transportar, sempre foi uma equipa de sangue, suor e lágrimas. Não estamos habituados a vitórias morais, a jogar melhor do que o adversário e perder, em Portugal essa forma de estar pertence ao Sporting.
Todos os treinadores de sucesso no Porto que vão desde o Pedroto, Artur Jorge, Fernando Santos e acabando no Mourinho, formaram grandes equipas que sempre começaram de trás: Geraldão, Celso, Lima Pereira, Fernando Couto, Jorge Andrade, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, são exemplos de centrais que fizerem parte das grandes equipas do Porto. Rodolfo, André, Jaime Pacheco, Paulinho Santos e Costinha são exemplos de trincos que deixavam tudo em campo, num esforço de dragão que empolgava as bancadas das Antas. Este sempre foi o segredo do Porto para conseguir ombrear com as equipas de Lisboa, a dedicação e o esforço que em alturas se confunde com o granito da cidade.
O Porto joga hoje à Barcelona de Cruyft e Van Gaal, mármore polido, o que devo dizer é o futebol mais bonito que até hoje vi. Não tenho dúvidas que o Porto vai ganhar o campeonato português, porque o plantel é o melhor a nível nacional e as equipas portuguesas defendem atrás do meio campo e sempre de olho no ponto, que se torna muito difícil arrancar, devido ao fluxo de ataques e oportunidades que o Porto cria.
Todos os treinadores de sucesso no Porto que vão desde o Pedroto, Artur Jorge, Fernando Santos e acabando no Mourinho, formaram grandes equipas que sempre começaram de trás: Geraldão, Celso, Lima Pereira, Fernando Couto, Jorge Andrade, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, são exemplos de centrais que fizerem parte das grandes equipas do Porto. Rodolfo, André, Jaime Pacheco, Paulinho Santos e Costinha são exemplos de trincos que deixavam tudo em campo, num esforço de dragão que empolgava as bancadas das Antas. Este sempre foi o segredo do Porto para conseguir ombrear com as equipas de Lisboa, a dedicação e o esforço que em alturas se confunde com o granito da cidade.
O Porto joga hoje à Barcelona de Cruyft e Van Gaal, mármore polido, o que devo dizer é o futebol mais bonito que até hoje vi. Não tenho dúvidas que o Porto vai ganhar o campeonato português, porque o plantel é o melhor a nível nacional e as equipas portuguesas defendem atrás do meio campo e sempre de olho no ponto, que se torna muito difícil arrancar, devido ao fluxo de ataques e oportunidades que o Porto cria.
quarta-feira, setembro 28, 2005
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“We play very well”, disse o treinador do Porto depois do jogo com o Artemedia.
Será que algum portista quer saber disso para alguma coisa?
Será que algum portista quer saber disso para alguma coisa?
terça-feira, setembro 27, 2005
Canções 2
Ouvi pela primeira vez os Sex Pistols na defunta discoteca Tubitek na Praça D.João I. Não andava à procura de nada em especial quando lá entrei, era apenas um sítio onde tinha de ir sempre que passava na baixa, quanto muito para ver a montra dos discos importados. Naquele dia entrei e a capa, exposta na montra, logo me chamou atenção com aqueles recortes aparentemente colados à sorte. Pousei então a agulha no God Save The Queen e aos primeiros acordes levei um murro no estômago, muito semelhante, se transpusermos a sensação para a literatura, quando em casa do meu tio abri a Metamorfose e li: “Uma manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si transformado num gigantesco insecto.” A música nada tinha a ver com as canções de protesto de Bob Dylan, nem com a metafísica dos Pink Floyd e muito menos com a melancolia e angústia da cena britânica dos Echo and the Bunnymen, Bauhaus ou Joy Division que eu tanto gostava. Aquilo era mais um manifesto, uma cuspidela para o ar, um chuto nos tomates, um não quero saber gritado a plenos pulmões. Estou a ouvir agora, depois de muitos anos o God Save The Queen e confesso que o “No Future For You”, gritado pelo Jonnhy Rotten continua a bater-me no estômago agora como na altura.
"God Save The Queen"
God save the queen/The fascist regime/They made you a moron/Potential H-bomb/God save the queen/She ain't no human being/There is no future/In England's dreaming/Don't be told what you want/Don't be told what you need/There's no future, no future,/No future for you/God save the queen/We mean it man/We love our queen/God saves/God save the queen'/Cause tourists are money/And our figurehead/Is not what she seems/Oh God save history/God save your mad parade/Oh Lord God have mercy/All crimes are paid/When there's no future/How can there be sin/We're the flowers in the dustbin/We're the poison in your human machine/We're the future, you're future/God save the queen/We mean it man/We love our queen/God saves/God save the queen/We mean it man/And there is no future/In England's dreaming/No future no future/No future for you/No future no future/No future for me/No future no future
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Coisas minhas,
Músicas,
sex pistols
domingo, setembro 25, 2005
sábado, setembro 24, 2005
O palácio (primeira versão final)
O Palácio Botelho herdou o nome do seu mais famoso inquilino, o Conde Botelho. O conde foi o último dos grandes boémios portugueses que o século XIX conheceu. O palácio deve igualmente ao conde o seu grande apogeu ocorrido nas últimas décadas do século XIX e inícios do século XX. Nessa altura os jantares eram iluminados por candelabros de Paris e incenso da Índia e pelos sumptuosos salões, políticos faziam politica enquanto namoriscavam donzelas ao som das valsas de Strauss. Era o local portuense onde as soirres eram mais sofisticadas e desejadas. Pelos portões dourados, magnificentes coches de seis cavalos trotavam ocultando os seus ilustres convidados. Já em pleno século XX, o palácio, viria a conhecer uma lenta degradação, abandono e por fim o esquecimento, tudo em parte pela ruína financeira do conde que não entrou no século novo com tinha saído do antigo.
Quando foi comprado ao estado pela construtora Alves & Alves Lda., um século depois do conde, o palácio estava velho, o telhado desfazia-se pelas intempéries, as paredes bamboleavam ao sabor dos camiões que atravessavam a rua e pedras seculares desmaiavam pelos cantos das salas do segundo andar, só recordando os tempos áureos, a alguém com uma imaginação muito fértil. Mas a zona onde estava situado, a enormidade do terreno que ocupava e a beleza exterior do edifício, fez dele um negócio apetecível que os gémeos da Alves & Alves, não deixaram escapar; só a fachada restaria do palácio e falou-se em condomínio fechado com garagens individuais e piscina. Este episódio tinha ocorrido há quase três anos, escritura, papéis assinados, licença de obras, tudo arrastado até ao início da reconstrução que começou há uma semana com uma limpeza interior. Contratou-se uma empresa para retirar entulho, arrebentar soalhos, raspar paredes, arrastar móveis e começar desde já a deitar abaixo algumas paredes que não implicassem a sustentabilidade do edifício. Tudo corria bem até os trabalhadores contratados se começarem a queixar dos exércitos de pulgas aranhas ratos que trepavam pelas pernas e se infiltravam na roupa interior, causando comichões vermelhões irritações e sabe-se-lá-que-mais, obrigando-os a tirarem a roupa cinco vezes por dia e procurar os desagradáveis bicharocos nas cuecas meias e virilhas. Contactou-se uma empresa de desinfecção e este vosso humilde narrador e escriturário da Alves & Alves, foi a pessoa encarregada de abrir as colossais portas de dois metros e meio em madeira maciça ao exterminador, já que por esta altura o pessoal contratado se recusava, alegando saúde pública e privada, a por lá os pés até a situação estar controlada e um perímetro de segurança levantado.
A construtora Alves & Alves foi criada no início do século XX pelo avô dos actuais gémeos Alves, se bem que no início se chamasse Construtora & Imobiliária Alves Lda. e fosse apenas um pequeno escritório no centro da cidade. A firma expandiu-se durante a segunda metade do século passado graças ao seu grande impulsionador, o pai dos gémeos, que elevou a firma até um décimo andar num prédio da zona mais cara da cidade; não posso esquecer de falar no meu pai. Hoje em dia são os gémeos que gerem a firma. E que posso eu dizer dos gémeos da Alves & Alves L.da? Que os odeio? Odeio-os? Mas porquê? Agora sim, pelo meu pai? Por mim? Será pelo meu pai que morreu com sessenta e oito anos de ataque cardíaco cercado de contratos imobiliários sem nunca lhe ser reconhecido o mérito? Que morreu sozinho na secretária que ocupou durante meio século, não sem antes arranjar trabalho para o alienado filho? Que odeio os gémeos, o seu jeito superior, os fatos garridos pirosos, os carros e as mulheres deles? Que desprezo os gémeos pela minha mãe e pela minha irmã? E que posso mais dizer sobre os gémeos? Que são diferentes um do outro como água do vinho? Que um é gordo e o outro é magro, um forte outro fraco? Que o gordo empurra o fraco e o magro acolhe o forte? Que funcionam em cunha? Posso começar por dizer que fisicamente nada têm de semelhantes. Poderia também dizer que ambos têm à sua maneira o dom da multiplicação do dinheiro e tal Midas, o fardo de transformarem em ouro tudo que tocam. Poderia satisfazer o meu asco e dizer que o ouro resvala para a merda como o milho para estrume? Não, não me quero alongar em afrontas e insultos. Vou então, e só para terminar e passarmos sem demorar para a porta do palácio, onde aguardo o exterminador, dizer que nada do que vos contei, me iliba do fim desta história, nem é por si só factor justificativo das acções que a seguir vou narrar; sei-o agora enquanto escrevo.
Espreitei pelas escadas, não vi nenhum sinal do exterminador, subi dois andares e não acreditei no que os meus mostravam. Mas estou a adiantar-me na história, está-se a tornar num hábito esta ânsia de tudo revelar. Tenho de serenar, não posso omitir nenhum dos factos importantes, dados reveladores, informações fulcrais. Volto então à porta do palácio onde o exterminador acaba de chegar. É um homem gordo com a barba por fazer uma camisa desabotoada pelo terceiro botão um cheiro agridoce de suor seco. Cumprimentamo-nos e logo começou a falar: “Isto é muito grande, vai precisar de cinco ou seis passagens.” Abro as portadas, deixo-o palrar. “Isto dos bichos tem que se lhe diga.” ”Eles sabem quem eu sou, já me conhecem”. Pousa no chão uma botija à qual prende duas mangueiras entrelaçadas. “Tenho de fazer a mistura, o segredo está na mistura, dez de água para uma dose de veneno.” Desculpei-me e sai coçando as canelas, ele lá ficou a esguichar os cantos. “Duas horitas”, disse. Comprei o jornal e sentei-me num banco de jardim a desfolhar as páginas. Para Novembro o dia estava bem solarengo; ao fundo do jardim duas crianças corriam atrás de um cão sorridente.
Acordei sobressaltado com um arrepio na espinha, uma hora e meia tinha passado. Decide voltar ao palácio para ver como ia o trabalho de extermínio. Quando abri a porta não ouvi o zumbido da máquina que misturava a água com o veneno. Subi ao primeiro andar e nem sinal do exterminador. As escadas rangiam a cada passo e comecei a sentir comichões nas costas. Gritei, mas só a minha voz e depois o eco da minha voz rompeu o silêncio. Virei pelo corredor que ficava do lado direito de quem sobe as escadas; um velho candelabro balouçava no tecto. Abri a primeira porta do lado esquerdo e nada, tirando um velho colchão encostado numa parede onde as traves de madeira espreitavam. Continuei a andar mas os bichos invadiam a minha roupa interior e a comichão era quase insuportável. Cheguei ao fim do corredor e abri a porta; uma velha cómoda tapava a janela e um velho retrato envolto em teias de aranha, sufocava num caixilho dourado demasiado grosso. Comecei a correr de volta às escadas. Gritei. Ganhei coragem para subir ao segundo andar. Agora o meu corpo era um amontoado de bichos que me cercavam e comiam. Abri a primeira porta que encontrei na esperança de encontrar uma janela. Gritei. Ele estava caído no chão, mas não o conseguia ver, tal era a quantidade de percevejo, mosquitos, aranhas, pulgas, amontoadas sobre o deformado cadáver. Gritei por ele e depois corri pelas escadas abaixo. Passei as mãos pela cara e uma quantidade de bichos caíram e logo se esconderam em recônditos buracos, à medida que descia, fui deixando roupa pelo caminho. Uma escada não aguentou a meu peso desesperado e cedeu por baixo do meu pé que ficou preso. Estava deitado no chão com a cara no soalho e via os bichos a aproximarem-se com as suas pequenas tenazes. Tentei soltá-lo. Fiz mais força e a madeira cedeu rasgando uma boa parte da minha canela. Esfreguei o cabelo até ao átrio. Abri a porta da rua e sai para a rua, ainda sacudindo a roupa que me restava. Os insectos não pareciam interessados na luz do dia e vi-os a fugir por baixo da porta para o negrume do palácio.
O exterminador estava morto. Não tive culpa como podia eu saber? Foi no meio desse reboliço cerebral, que a ideia surgiu. Peguei no telemóvel e telefonei aos gémeos. Argumentei que ambos tinham de vir porque o futuro do empreendimento dependia da sua presença e disse mais algumas coisas que tinha a certeza os convenceria. Fui ao café, tirei a roupa na casa de banho e esmaguei com raiva alguns insectos desprevenidos. Voltei à porta do palácio e aguardei uma meia hora até o Mercedes parar em frente. “Que urgência é essa?”, “Não consegue resolver nada?”, “E para isso que lhe pagamos?”. O exterminador queria falar com eles, disse, estava no terceiro andar. “Temos de subir lá em cima? Ele não pode vir cá em baixo?”, “Quer mais dinheiro de certeza, o gajo quer mais dinheiro!” Encolhi os ombros. Eles entraram. Ainda ouvi os seus resmungos e os passos pelos lanços das escadas. Esperei mais dois minutos e fechei o palácio às chaves. Depois apanhei o autocarro para casa de onde agora escrevo esta história. Tomei um banho, fechei as persianas e arranjei uma desculpa para a mulher. Não sei se ainda estão vivos, não sei de nada e não vou sair de casa para descobrir, pelo menos até alguém bater à porta e disser que existe esperança para mim.
Quando foi comprado ao estado pela construtora Alves & Alves Lda., um século depois do conde, o palácio estava velho, o telhado desfazia-se pelas intempéries, as paredes bamboleavam ao sabor dos camiões que atravessavam a rua e pedras seculares desmaiavam pelos cantos das salas do segundo andar, só recordando os tempos áureos, a alguém com uma imaginação muito fértil. Mas a zona onde estava situado, a enormidade do terreno que ocupava e a beleza exterior do edifício, fez dele um negócio apetecível que os gémeos da Alves & Alves, não deixaram escapar; só a fachada restaria do palácio e falou-se em condomínio fechado com garagens individuais e piscina. Este episódio tinha ocorrido há quase três anos, escritura, papéis assinados, licença de obras, tudo arrastado até ao início da reconstrução que começou há uma semana com uma limpeza interior. Contratou-se uma empresa para retirar entulho, arrebentar soalhos, raspar paredes, arrastar móveis e começar desde já a deitar abaixo algumas paredes que não implicassem a sustentabilidade do edifício. Tudo corria bem até os trabalhadores contratados se começarem a queixar dos exércitos de pulgas aranhas ratos que trepavam pelas pernas e se infiltravam na roupa interior, causando comichões vermelhões irritações e sabe-se-lá-que-mais, obrigando-os a tirarem a roupa cinco vezes por dia e procurar os desagradáveis bicharocos nas cuecas meias e virilhas. Contactou-se uma empresa de desinfecção e este vosso humilde narrador e escriturário da Alves & Alves, foi a pessoa encarregada de abrir as colossais portas de dois metros e meio em madeira maciça ao exterminador, já que por esta altura o pessoal contratado se recusava, alegando saúde pública e privada, a por lá os pés até a situação estar controlada e um perímetro de segurança levantado.
A construtora Alves & Alves foi criada no início do século XX pelo avô dos actuais gémeos Alves, se bem que no início se chamasse Construtora & Imobiliária Alves Lda. e fosse apenas um pequeno escritório no centro da cidade. A firma expandiu-se durante a segunda metade do século passado graças ao seu grande impulsionador, o pai dos gémeos, que elevou a firma até um décimo andar num prédio da zona mais cara da cidade; não posso esquecer de falar no meu pai. Hoje em dia são os gémeos que gerem a firma. E que posso eu dizer dos gémeos da Alves & Alves L.da? Que os odeio? Odeio-os? Mas porquê? Agora sim, pelo meu pai? Por mim? Será pelo meu pai que morreu com sessenta e oito anos de ataque cardíaco cercado de contratos imobiliários sem nunca lhe ser reconhecido o mérito? Que morreu sozinho na secretária que ocupou durante meio século, não sem antes arranjar trabalho para o alienado filho? Que odeio os gémeos, o seu jeito superior, os fatos garridos pirosos, os carros e as mulheres deles? Que desprezo os gémeos pela minha mãe e pela minha irmã? E que posso mais dizer sobre os gémeos? Que são diferentes um do outro como água do vinho? Que um é gordo e o outro é magro, um forte outro fraco? Que o gordo empurra o fraco e o magro acolhe o forte? Que funcionam em cunha? Posso começar por dizer que fisicamente nada têm de semelhantes. Poderia também dizer que ambos têm à sua maneira o dom da multiplicação do dinheiro e tal Midas, o fardo de transformarem em ouro tudo que tocam. Poderia satisfazer o meu asco e dizer que o ouro resvala para a merda como o milho para estrume? Não, não me quero alongar em afrontas e insultos. Vou então, e só para terminar e passarmos sem demorar para a porta do palácio, onde aguardo o exterminador, dizer que nada do que vos contei, me iliba do fim desta história, nem é por si só factor justificativo das acções que a seguir vou narrar; sei-o agora enquanto escrevo.
Espreitei pelas escadas, não vi nenhum sinal do exterminador, subi dois andares e não acreditei no que os meus mostravam. Mas estou a adiantar-me na história, está-se a tornar num hábito esta ânsia de tudo revelar. Tenho de serenar, não posso omitir nenhum dos factos importantes, dados reveladores, informações fulcrais. Volto então à porta do palácio onde o exterminador acaba de chegar. É um homem gordo com a barba por fazer uma camisa desabotoada pelo terceiro botão um cheiro agridoce de suor seco. Cumprimentamo-nos e logo começou a falar: “Isto é muito grande, vai precisar de cinco ou seis passagens.” Abro as portadas, deixo-o palrar. “Isto dos bichos tem que se lhe diga.” ”Eles sabem quem eu sou, já me conhecem”. Pousa no chão uma botija à qual prende duas mangueiras entrelaçadas. “Tenho de fazer a mistura, o segredo está na mistura, dez de água para uma dose de veneno.” Desculpei-me e sai coçando as canelas, ele lá ficou a esguichar os cantos. “Duas horitas”, disse. Comprei o jornal e sentei-me num banco de jardim a desfolhar as páginas. Para Novembro o dia estava bem solarengo; ao fundo do jardim duas crianças corriam atrás de um cão sorridente.
Acordei sobressaltado com um arrepio na espinha, uma hora e meia tinha passado. Decide voltar ao palácio para ver como ia o trabalho de extermínio. Quando abri a porta não ouvi o zumbido da máquina que misturava a água com o veneno. Subi ao primeiro andar e nem sinal do exterminador. As escadas rangiam a cada passo e comecei a sentir comichões nas costas. Gritei, mas só a minha voz e depois o eco da minha voz rompeu o silêncio. Virei pelo corredor que ficava do lado direito de quem sobe as escadas; um velho candelabro balouçava no tecto. Abri a primeira porta do lado esquerdo e nada, tirando um velho colchão encostado numa parede onde as traves de madeira espreitavam. Continuei a andar mas os bichos invadiam a minha roupa interior e a comichão era quase insuportável. Cheguei ao fim do corredor e abri a porta; uma velha cómoda tapava a janela e um velho retrato envolto em teias de aranha, sufocava num caixilho dourado demasiado grosso. Comecei a correr de volta às escadas. Gritei. Ganhei coragem para subir ao segundo andar. Agora o meu corpo era um amontoado de bichos que me cercavam e comiam. Abri a primeira porta que encontrei na esperança de encontrar uma janela. Gritei. Ele estava caído no chão, mas não o conseguia ver, tal era a quantidade de percevejo, mosquitos, aranhas, pulgas, amontoadas sobre o deformado cadáver. Gritei por ele e depois corri pelas escadas abaixo. Passei as mãos pela cara e uma quantidade de bichos caíram e logo se esconderam em recônditos buracos, à medida que descia, fui deixando roupa pelo caminho. Uma escada não aguentou a meu peso desesperado e cedeu por baixo do meu pé que ficou preso. Estava deitado no chão com a cara no soalho e via os bichos a aproximarem-se com as suas pequenas tenazes. Tentei soltá-lo. Fiz mais força e a madeira cedeu rasgando uma boa parte da minha canela. Esfreguei o cabelo até ao átrio. Abri a porta da rua e sai para a rua, ainda sacudindo a roupa que me restava. Os insectos não pareciam interessados na luz do dia e vi-os a fugir por baixo da porta para o negrume do palácio.
O exterminador estava morto. Não tive culpa como podia eu saber? Foi no meio desse reboliço cerebral, que a ideia surgiu. Peguei no telemóvel e telefonei aos gémeos. Argumentei que ambos tinham de vir porque o futuro do empreendimento dependia da sua presença e disse mais algumas coisas que tinha a certeza os convenceria. Fui ao café, tirei a roupa na casa de banho e esmaguei com raiva alguns insectos desprevenidos. Voltei à porta do palácio e aguardei uma meia hora até o Mercedes parar em frente. “Que urgência é essa?”, “Não consegue resolver nada?”, “E para isso que lhe pagamos?”. O exterminador queria falar com eles, disse, estava no terceiro andar. “Temos de subir lá em cima? Ele não pode vir cá em baixo?”, “Quer mais dinheiro de certeza, o gajo quer mais dinheiro!” Encolhi os ombros. Eles entraram. Ainda ouvi os seus resmungos e os passos pelos lanços das escadas. Esperei mais dois minutos e fechei o palácio às chaves. Depois apanhei o autocarro para casa de onde agora escrevo esta história. Tomei um banho, fechei as persianas e arranjei uma desculpa para a mulher. Não sei se ainda estão vivos, não sei de nada e não vou sair de casa para descobrir, pelo menos até alguém bater à porta e disser que existe esperança para mim.
sexta-feira, setembro 23, 2005
Immigration Song
Estou a entrar em pânico. A maior parte dos meus amigos está a partir ou já partiu. Inglaterra principalmente, mas também Holanda. Quando voltam encontram os mesmos bares, as mesmas diversões, a mesma gente a remar contra correntes fortes demais, o mesmo paralelo gasto, as mesmas calçadas castanhas. Todos sabemos que micros ditaduras governam este país, mas não será assim por essa Europa fora? O que nos leva a ficar? Porque carga de água insistimos em viver aqui? Será o sol? Os amigos e familiares? A língua? A velhice das casas e as ruas sujas? O desemprego, o emprego? Eu não consigo partir e meti na minha cabeça que talvez terá a ver com os portugueses. Mas não deixo de ficar em pânico por doar o melhor que temos a outros países.
quinta-feira, setembro 22, 2005
Beatriz
A verdade é que passei os meses mais felizes como estudante, na companhia de uma franzina e tímida rapariga vinda do sul do país; chamava-se Beatriz, tinha um cabelo comprido que escorria pelas faces até aos ombros e um olhar contemplativo que quando se abria em sorriso, era um relâmpago, uma obra de arte; curvas anárquicas das borboletas quando saem do casulo. Andamos colados alguns meses, sem nada nem ninguém entrar no nosso mundo de felicidade. Fazíamos tudo juntos. Foram meses de alegria e amor desenfreado. Depois não sei ao certo o que aconteceu.
quarta-feira, setembro 21, 2005
Maria
Quando chegava a primeira semana de Novembro, Maria metia férias, fechava-se em casa e acendia dezenas velas que ia acumulando ao longo do ano e espalhava-as pelo chão, beirais das janelas e no topo dos armários; eram velas em forma de bola com um pequeno pavio indiano, velas quadrados azuis, velas em forma de cilindro, velas iguais a velas. Encharcava depois a casa de paus de incenso com cheiro a mar, mirra e canela. Cada chama um nome cada incenso um livro cada memória um trago de fumo cada amigo uma luz. Depois concentrava-se, apenas nessa semana do ano, no pensamento que mais a atormentava e então sussurrava às escuras: toda a gente que conheço e amo vai desaparecer um dia, tudo que conheço vai desaparecer, nada é eterno, vale a pena aguardar mais mortes amigas? Alguns dias mais tarde e quando da escuridão de sombras provocadas pelas chamas, sentia o medo a desaparecer, Maria apagava as chamas, abria todas as janelas de casa, abafava os incensos e retomava a vida mais optimista.
segunda-feira, setembro 19, 2005
As corridas dos meus dias
Às vezes a minha vida é uma pista de carros e eu um carrinho de choque que em círculos loucos e rápidas manobras de volante, tento a todo o custo desviar dos obstáculos que lhe aparecem à frente, mas por muito que tente, não consigo nunca evitar algumas colisões frontais, saídas de pista, andar em duas rodas e as fichas não duram para sempre e não sei quê, não sei que mais.
domingo, setembro 18, 2005
sábado, setembro 17, 2005
Canções
LEONARD COHEN - "Sisters Of Mercy"
Oh the sisters of mercy, they are not departed or gone.
They were waiting for me when I thought that I just can't go on.
And they brought me their comfort and later they brought me this song.
Oh I hope you run into them, you who've been travelling so long.
Yes you who must leave everything that you cannot control.
It begins with your family, but soon it comes around to your soul.
Well I've been where you're hanging, I think I can see how you're pinned:
When you're not feeling holy, your loneliness says that you've sinned.
Well they lay down beside me, I made my confession to them.
They touched both my eyes and I touched the dew on their hem.
If your life is a leaf that the seasons tear off and condemn
they will bind you with love that is graceful and green as a stem.
When I left they were sleeping, I hope you run into them soon.
Don't turn on the lights, you can read their address by the moon.
And you won't make me jealous if I hear that they sweetened your night:
We weren't lovers like that and besides it would still be all right,
We weren't lovers like that and besides it would still be all right.
They were waiting for me when I thought that I just can't go on.
And they brought me their comfort and later they brought me this song.
Oh I hope you run into them, you who've been travelling so long.
Yes you who must leave everything that you cannot control.
It begins with your family, but soon it comes around to your soul.
Well I've been where you're hanging, I think I can see how you're pinned:
When you're not feeling holy, your loneliness says that you've sinned.
Well they lay down beside me, I made my confession to them.
They touched both my eyes and I touched the dew on their hem.
If your life is a leaf that the seasons tear off and condemn
they will bind you with love that is graceful and green as a stem.
When I left they were sleeping, I hope you run into them soon.
Don't turn on the lights, you can read their address by the moon.
And you won't make me jealous if I hear that they sweetened your night:
We weren't lovers like that and besides it would still be all right,
We weren't lovers like that and besides it would still be all right.
sexta-feira, setembro 16, 2005
Always
Running away,
Running away,
Running away,
Like I normally do.
Running away,
Running away,
Running away,
Till I find you.
When I get scar,
And I get scar,
Hell screaming for me,
You’re always there.
Always there,
When my ghost came around,
I feel like a good man,
And I don’t get scar.
Running away,
Running away,
Like I normally do.
Running away,
Running away,
Running away,
Till I find you.
When I get scar,
And I get scar,
Hell screaming for me,
You’re always there.
Always there,
When my ghost came around,
I feel like a good man,
And I don’t get scar.
quinta-feira, setembro 15, 2005
quarta-feira, setembro 14, 2005
Restos (IV)
Dr.º Albino não era um homem vulgar. Não despertava com o canto dos galos, nem se deitava quando a noite se ergue. Os seus horários eram de todo estranhos para a gente da aldeia; ora se deitava de madrugada, ora se erguia com a noite, ora ouvia música aos gritos em pleno breu, ora silêncio durante dias. Por estes motivos, mas principalmente devido ao seu feitio irascível, Dr.º Albino conseguia afastar dele todas as curiosidades que despertam um homem só, numa aldeia triste e sem grandes novas para mexericos. Mesmo assim, comentava-se na tasca à boca larga, por entre um copo de vinho e uma partida de sueca, que Dr.º Albino era viúvo e amava demais a falecida, daí o seu isolamento e retiro, daí as suas atitudes incompreensíveis e até brutais; toda a gente se recorda como se fosse hoje, o dia em que correu o carteiro do consultório, o João Silva, filho da Amelinha, com gritos de espírito em purgatório, recusando uma falsa baixa. As mulheres temerosas a deus, viam no doutor uma reencarnação do mal, e a prova diziam entre elas, eram as fracas colheitas desde que aquele homem tinha chegado à aldeia, a falta de chuva e os incêndios e só empurradas punham o pé no consultório. As moças porém, encontravam algo de atraente no jovem doutor e até tentavam, de tempos a tempos, uma aproximação que sempre passava despercebida ao doutor. Outra corrente era a que dizia tratar-se de um caso de medicina mal exercida, com o nome riscado na cidade, tinha fugido para o interior e daí recomeçar a vida; esta era a que menos adeptos recolhia mas mesmo assim com algum peso na comunidade, bastava observar o respeito reverencial dos vizinhos quando se cruzavam com ele na rua.
terça-feira, setembro 13, 2005
Leituras 6 (Os meus Prémios Nobel)
Escolhi o que tem a capa mais bonita e o último que li. Podia ser “O chão que ela pisa”, o que mais gostei, ou “A Fúria”, o que mais me surpreendeu. Cada livro de Salman Rushdie é uma viagem aos entrocamentos da condição humana e abrir a primeira página de um livro seu, é iniciar uma viagem que não sabemos onde vai terminar; talvez nunca termine dentro dos leitores. Um mestre das palavras, um encantador de serpentes.
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Escritores,
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salman rushdie
segunda-feira, setembro 12, 2005
DIRQUE - "Novo Circo" em Vila do Conde
CORDA-BAMBA apresenta
DIRQUE - “Novo-Circo” em Vila do Conde
Uma mistura bem doseada de técnicas de circo de alto nível, com improvisação e humor
No contexto do desenvolvimento das artes do circo, foi recentemente criada a associação “Corda-Bamba – Centro para as Artes do Circo” cujo objectivo é desenvolver um trabalho de formação e criação em torno do circo contemporâneo.
Da intervenção deste projecto, resultarão workshops para jovens e a apresentação de espectáculos que irão fortalecer e projectar as dinâmicas culturais locais e nacionais em torno destas formas artísticas. Como primeira iniciativa e com o apoio da Câmara Municipal de Vila do Conde a “Corda-Bamba” apresenta o artista belga Dirk Boxelaere.
Após uma formação intensiva nas escolas de circo de Bruxelas e de Montreal, depois de ter viajado pelo mundo inteiro com o duo cómico “To Be 2” Dirk Boxolaere, mais conhecido por “Dirque” apresenta dia 12 nas Alamedas dos Descobrimentos e dia 13 no Parque Polis – João Paulo II, às 22h00, o seu novo trabalho Tai-Toi et Jongle!.
Sobre uma pista redonda, Dirk impressiona com o seu humor inenarrável e com acrobacia e jogos de malabarismo originais. Através das suas intervenções espontâneas e de uma enorme cumplicidade com o público, Dirk “despe-se” para oferecer um espectáculo surpreendente.
Para crianças e adultos.
A não perder
DIRQUE - “Novo-Circo” em Vila do Conde
Uma mistura bem doseada de técnicas de circo de alto nível, com improvisação e humor
No contexto do desenvolvimento das artes do circo, foi recentemente criada a associação “Corda-Bamba – Centro para as Artes do Circo” cujo objectivo é desenvolver um trabalho de formação e criação em torno do circo contemporâneo.
Da intervenção deste projecto, resultarão workshops para jovens e a apresentação de espectáculos que irão fortalecer e projectar as dinâmicas culturais locais e nacionais em torno destas formas artísticas. Como primeira iniciativa e com o apoio da Câmara Municipal de Vila do Conde a “Corda-Bamba” apresenta o artista belga Dirk Boxelaere.
Após uma formação intensiva nas escolas de circo de Bruxelas e de Montreal, depois de ter viajado pelo mundo inteiro com o duo cómico “To Be 2” Dirk Boxolaere, mais conhecido por “Dirque” apresenta dia 12 nas Alamedas dos Descobrimentos e dia 13 no Parque Polis – João Paulo II, às 22h00, o seu novo trabalho Tai-Toi et Jongle!.
Sobre uma pista redonda, Dirk impressiona com o seu humor inenarrável e com acrobacia e jogos de malabarismo originais. Através das suas intervenções espontâneas e de uma enorme cumplicidade com o público, Dirk “despe-se” para oferecer um espectáculo surpreendente.
Para crianças e adultos.
A não perder
domingo, setembro 11, 2005
Televisão, a droga da nação*
Hoje assisti incrédulo e impotente à humilhação de um homem sensaborão, um metálico de primeira, Harley Davidson e cabelos até à cintura incluídos, enquanto era transformado num corrector de seguros de terceira qualidade.
*Television the drug of the nation (The Disposable Heroes of Hiphoprisy)
sábado, setembro 10, 2005
Old Timer
O meu vizinho de oitenta e dois anos disse, enquanto eu o ajudava a empurrar a cama para a frente e comentava a extensa colecção das Selecções Readers Digers: “Os Portugueses são um povo formidável! Sabia que no Japão os taxistas se souberem que é português vão a correr abrir-lhe a porta? Era-mos um povo respeitado e respeitoso. Hoje em dia tudo se deve aquele, como se chama, antes do vinte cinco de Abril?
“Marcelo Caetano?”
“Não o outro.”
“Salazar?” Indignei a medo, e então parecia que tudo ia desemborcar na lenga-lenga dos velhotes. Mas não, pois ele Sereno disse: “Sim, foi esse bandalho que obscureceu Portugal”.
“Marcelo Caetano?”
“Não o outro.”
“Salazar?” Indignei a medo, e então parecia que tudo ia desemborcar na lenga-lenga dos velhotes. Mas não, pois ele Sereno disse: “Sim, foi esse bandalho que obscureceu Portugal”.
sexta-feira, setembro 09, 2005
quinta-feira, setembro 08, 2005
O palácio (Work In Progress) 7
Mais um parágrafo que precisa de uma segunda de mão.
"Primeiro foi o grito atordoado, depois um som ressoou nos meus ouvidos, tipo chapada em bochecha rosada. Espreitei pelas escadas, não vi nenhum sinal do exterminador. Mas estou a adiantar-me na história, está-se a tornar num hábito esta ânsia de tudo revelar. Tenho de serenar, não posso omitir nenhum dos factos importantes, dados reveladores, informações fulcrais. Volto então à porta do palácio onde o exterminador acaba de chegar. É um homem gordo com a barba por fazer uma camisa desabotoada pelo terceiro botão um cheiro agridoce de suor seco. Cumprimentamo-nos e logo começou a falar: “Isto é muito grande, vai precisar de cinco ou seis passagens.” Abro as portadas, deixo-o palrar. “Isto dos bichos tem que se lhe diga.” ”Eles sabem quem eu sou, já me conhecem”. Pousa no chão uma botija à qual prende duas mangueiras entrelaçadas. “Tenho de fazer a mistura, o segredo está na mistura, dez de água para uma dose de veneno.” Ele lá ficou a esguichar os cantos. Eu fui comprar o jornal e tomar café, não sem antes sentir umas picadas e comichões na zona da canela."
quarta-feira, setembro 07, 2005
terça-feira, setembro 06, 2005
O palácio (Work In Progress) 6
Este parágrafo anda emperrado, está a ser dificil descobrir o fio condutor, além de que o tempo não é muito. Mas aqui vai mais uma revisão que não será a última. Vou entretanto seguir em frente (já que o final conto me ocorreu) para ver se descubro o que falta atrás.
"A construtora Alves & Alves foi criada no início do século XX pelo avô dos actuais gémeos Alves, se bem que no início se chamasse Construtora & Imobiliária Alves Lda. e fosse apenas um pequeno escritório no centro da cidade. A firma expandiu-se durante a segunda metade do século passado graças ao seu grande impulsionador, o pai dos gémeos, que elevou a firma até um décimo andar num prédio da zona mais cara da cidade; não posso esquecer de falar no meu pai. Hoje em dia são os gémeos que gerem a firma. E que posso eu dizer dos gémeos da Alves & Alves L.da? Que os odeio? Odeio-os? Mas porquê? Agora sim, pelo meu pai? Por mim? Será pelo meu pai que morreu com sessenta e oito anos de ataque cardíaco cercado de contratos imobiliários sem nunca lhe ser reconhecido o mérito? Que morreu sozinho na secretária que ocupou durante meio século, não sem antes arranjar trabalho para o alienado filho? Que odeio os gémeos, o seu jeito superior, os fatos garridos pirosos, os carros e as mulheres deles? Que desprezo os gémeos pela minha mãe e pela minha irmã? E que posso mais dizer sobre os gémeos? Que são diferentes um do outro como água do vinho? Que um é gordo e o outro é magro, um forte outro fraco? Que o gordo empurra o fraco e o magro acolhe o forte? Que funcionam em cunha? Posso começar por dizer que fisicamente nada têm de semelhantes. Poderia também dizer que ambos têm à sua maneira o dom da multiplicação do dinheiro e tal Midas, o fardo de transformarem em ouro tudo que tocam. Poderia satisfazer o meu asco e dizer que o ouro resvala para a merda como o milho para estrume? Não, não me quero alongar em afrontas e insultos. Vou então, e só para terminar e passarmos sem demorar para a porta do palácio, onde aguardo o exterminador, dizer que nada do que vos contei, me iliba do fim desta história, nem é por si só factor justificativo das acções que a seguir vou narrar; sei-o agora enquanto escrevo."
segunda-feira, setembro 05, 2005
sábado, setembro 03, 2005
O palácio (Work In Progress) 5
Depois do descanso voltei ao Work in Progress. Este é o primeiro rascunho para o terceiro parágrafo.
"Que posso eu dizer dos gémeos Alves da Alves & Alves L.da? Que são diferentes um do outro como água do vinho? Que um é gordo e o outro é magro, um forte outro fraco? Que o gordo empurra o fraco e o magro acolhe o forte? Posso começar por dizer que são gémeos bivitelinos daí não serem fisicamente semelhantes e dizer que são nascidos de um sofrido parto de dezasseis horas que tirou a vida a mãe e lhes roubou para sempre o amor do pai? Poderia também dizer que ambos à sua maneira têm o dom da multiplicação do dinheiro e tal Midas, o poder de transformarem em ouro tudo que tocam. Poderia em jeito de vingança pessoal, dizer que o ouro resvala para a merda como o milho para estrume? Não, não vou dizer nada disto porque este texto não é sobre mim, mas sobre o palácio e não posso falar do palácio sem falar dos gémeos Alves seus proprietários e da bicharada, nunca esquecendo o exterminador, porque é para contar o sucedido com o pobre homem, que ganhei forças para escrever este texto."
sexta-feira, setembro 02, 2005
Coltrane e a Leonor
Peguei nela ao colo e pus uma música para ver se passavam as dores de barriga (malditas cólicas) à minha filhota. Experimentei os Buena Vista Social Club mas em resposta tive um coro de gritos ainda mais fortes e percebi que a Leonor nada queria com música cubana. Tentei um dub jamaicano mas os lamentos arrebentaram ainda mais estridentes e nem a música que o pai gosta resultou; nada de guitarras eléctricas e malucos aos saltos para a minha filhota. Ainda tentei um clássico com o Chopin para ver se os gostos dela eram mais requintados que os do pai, mas nada aconteceu. Foi então, e já em desespero de causa, que tentei o John Coltrane. E não é que os choros pararam, a minha filhota adormeceu quase instantaneamente nos meus braços. Mas o que a cativava não eram os solos de trompete, mas o piano que os acompanhava. Quando o piano se calava, ela remexia-se nos meus braços. “A chupeta, ela quer a chupeta e não podes ter a música tão alto”, disse a Carla sempre atenta. A Leonor adormeceu tranquila e eu deixei a Mãe a pensar que tinha encontrado a solução, mas só eu e ela é que sabemos que foi o piano que acompanhava Coltrane que lhe mostrou o caminho para o mundo dos sonhos.
quinta-feira, setembro 01, 2005
Aqui há gato!!!
Eu sabia que alguma coisa não estava bem. Hoje o buraco recebeu treze visitantes (and counting), todos eles portugueses de Portugal! Admirado, perguntei aos meus botões: será que gostam da seca que estão a levar com o meu rastejante post Work In Progress? Depois descobri que afinal não era um gato, mas um monstro marinho, o gentil Mostrengo Adamastor tinha feito uma referência desta página no seu super-interessante-concorrido blogue.
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